Considere um segmento de reta de comprimento 1. Divida-o em três partes de igual comprimento e remova a do meio: sobram dois segmentos de comprimento 1/3, certo? Em seguida, divida cada um desses segmentos em três partes de igual comprimento e remova a do meio: agora sobram quatro segmentos de comprimento 1/9. Novamente, divida cada um desses segmentos em três partes iguais e remova a do meio: o resultado são oito segmentos de comprimento 1/27. E assim sucessivamente. O que sobra ao final de infinitas operações como essa é chamado “conjunto de Cantor”, em homenagem a Georg Cantor (1845-1918), que introduziu esse conceito em 1883.
Em 1974, o estudante de doutorado Douglas Hofstadter conjecturou que os níveis de energia de um elétron preso num cristal sob a ação de um ímã formam um conjunto de Cantor quando o fluxo magnético é irracional. Seus colegas físicos acharam a ideia bizarra (“numerologia!”). E ele não sabia provar que era verdade.
Anos depois, em 1981, dois matemáticos se encontraram para almoçar e discutir a conjectura de Hofstadter. Marc Kac (1914-1984) e Barry Simon vinham estudando um modelo da equação de Schrödinger e, baseados em seu próprio trabalho, concluíram que Hofstadter provavelmente estava certo. Mas eles também não sabiam provar a conjectura: Kac avaliou que seria tão difícil que ofereceu pagar dez martinis a quem conseguisse. Simon propagandeou a oferta, e assim nasceu o “problema dos dez martinis”.
No ano seguinte, Simon conseguiu um avanço parcial no problema, e Kac pagou três martinis pelo resultado. Mas quando Kac morreu, em 1984, o problema continuava em aberto, e assim permaneceria por mais duas décadas. Não por falta de esforço.
A matemática ucraniana Svetlana Jitomirskaya vinha trabalhando no tema há anos. Mas em 2003 ela estava desanimada: no ano anterior, o espanhol Joaquim Puig tinha resolvido a questão para a maior parte dos valores do fluxo magnético. E o pior é que ele tinha usado o trabalho dela para isso! “Queria dar um soco em mim mesma: eu tinha feito todo o trabalho difícil, e aí ele chegou e encontrou aquela solução linda.”
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Entra em cena o jovem matemático brasileiro Artur Avila, então com apenas 24 anos, propondo trabalharem juntos nos casos restantes do problema. “Expliquei a ele que ia ser difícil e demorado, e que ninguém estava nem aí”, conta Svetlana. Foram em frente assim mesmo e deu certo: logo os dois resolveram um dos problemas mais relevantes e desafiadores da física matemática. O trabalho conjunto foi publicado em 2005 no periódico Annals of Mathematics, o mais prestigioso da área da matemática. E a solução do problema dos dez martinis seria uma das realizações do Artur mais citadas quando ele ganhou a Medalha Fields em 2014.
Comemoraram com martini? “Claro. Teve um monte de bebidas comemorativas, inclusive martinis”, esclarece Svetlana, com um sorriso.
Mas, para o sentido estético dos matemáticos, a solução ainda não era satisfatória, porque consistia de vários argumentos distintos, cada um valendo para diferentes valores do fluxo magnético. Seria muito melhor se houvesse um único argumento unificando todos os casos…
A história continua.
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