A taxação dos lucros e dividendos distribuídos por empresas aos seus sócios é vista como positiva por economistas de diferentes escolas de pensamento ouvidos pela Folha. A avaliação é que o modelo adotado pelo Brasil de concentrar a tributação no lucro da pessoa jurídica com uma alíquota elevada, isentando a pessoa física, está em desacordo com o que existe em outros países, afeta a competitividade do país e causa distorções econômicas e distributivas.
Do ponto de vista político, o fim da isenção total de dividendos teve o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —que teve uma proposta engavetada pelo Senado— e do atual mandatário, Lula (PT), que conseguiu aprovar na semana passada o projeto do imposto mínimo sobre essas rendas, sem mexer na tributação das empresas.
A cobrança do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos no Brasil terminou em 1996, quando a visão dominante era a de que seria mais eficiente unificar essa tributação na pessoa jurídica. Atualmente, o país é a única economia relevante a manter essa isenção, que criou uma série de distorções. Entre elas, confundir o tamanho da companhia com a capacidade contributiva dos sócios. Com isso, milionários que são donos de pequenas empresas pagam menos impostos do que trabalhadores assalariados.
Esse é um dos pontos destacados pelo professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV Sérgio Werlang, ex-diretor do Banco Central e do Itaú Unibanco. Para ele, taxar somente a pessoa jurídica seria uma boa ideia, se não fosse a baixa tributação de empresas dos regimes simplificados do lucro presumido e Simples Nacional. São segmentos onde estão as chamadas pequenas e médias empresas.
“O problema do Brasil é que o dividendo é isento e existem regimes que têm alíquotas muito baixas”, afirma. “Você pega não sei quantas empresas do Simples, paga imposto ridiculamente baixo e retira tudo como dividendo.”
Para ele, a tributação de dividendos é positiva, desde que não onere ainda mais os sócios de empresas do lucro real, companhias que estão em uma faixa de alíquota elevada para níveis internacionais.
O projeto do governo Lula diz que a soma do imposto mínimo não pode ultrapassar essas alíquotas nominais, que são de 34% na maioria dos casos, podendo chegar a 45% no setor financeiro. A proposta não mexe nesses percentuais.
Folha Mercado
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A economista Zeina Latif, sócia da Gibraltar Consulting, afirma que uma tributação mais ampla dos dividendos, desde que compensada pela redução nas alíquotas do imposto sobre as empresas do lucro real, deixaria o país mais alinhado com as regras internacionais e seria positiva do ponto de vista econômico.
Para ela, uma reforma ainda mais eficiente e que traria mais justiça tributária deveria atacar também o problema dos regimes com imposto reduzido. “Esse seria o melhor desenho e aproximaria o Brasil da experiência mundial”, afirma.
Zeina avalia que a ideia que motivou o fim da cobrança sobre dividendos em 1996 era boa, mas que depois de três décadas essa mudança não se mostrou bem-sucedida. “É mais um exemplo de política pública que depois é muito difícil consertar.”
O economista Sérgio Gobetti, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirma que houve uma intensificação da competição tributária internacional nesses quase 30 anos, prejudicando países como o Brasil que escolheram concentrar toda a tributação na pessoa jurídica com alíquotas elevadas.
Ele também cita estudos da OCDE que apontam que a tributação do lucro da empresa é mais ineficiente do ponto de vista econômico do que a cobrança sobre a renda do acionista. Há ainda trabalhos que mostram que nem sempre o custo dessa tributação é totalmente transferido para o sócio, podendo recair sobre o consumidor ou sobre os trabalhadores.
Por isso, a maioria dos países relevantes adota mecanismos de integração dos impostos sobre o lucro e a renda ou modelos de compensação para evitar o risco de bitributação desses recursos.
“A tributação concentrada na pessoa jurídica é inapropriada para a competitividade internacional, é mais ineficiente do ponto de vista econômico e não há garantia de que o ônus efetivo recaia sobre o acionista”, afirma.
Ele acrescenta que a regra atual criou um espaço para atuação dos lobbies de diferentes setores que buscam benefícios fiscais para reduzir esses tributos, o que faz com que as alíquotas efetivas estejam abaixo de 20% para grandes empresas. Para o economista, esse é um fator que amplifica a ineficiência econômica do nosso sistema e viola o princípio da equidade e da concorrência.
Defensores do atual sistema afirmam que ele facilita a fiscalização e evita o fenômeno da distribuição disfarçada de lucros. Gobetti diz que outros países conseguem enfrentar esse problema e que, atualmente, a Receita Federal conta ferramentas de controle que não existiam na década de 1990.
Autor de trabalho sobre o tema, o economista Ricardo Carvalho Gonçalves, do Projeto Transforma, do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas), afirma que a isenção de dividendos é mais um mecanismo que faz com que o Brasil tenha uma estrutura tributária regressiva, na qual as pessoas de maior renda pagam proporcionalmente menos impostos.
A maioria dos países desenvolvidos, por outro lado, tem buscado tributar mais a distribuição de lucros na pessoa física e reduzir o imposto sobre as empresas.
“Não consigo enxergar como isso pode impactar de uma forma negativa o desempenho econômico do nosso país. Se olharmos os outros, principalmente os ricos, grande parte tributa lucros e dividendos. O Brasil é que não segue essa norma.”


